Extraído da revista Life
O Poder Curador do Toque
É nossa mais íntima e poderosa forma de comunicação
Encolhido em sua incubadora transparente no Centro Médico Memorial Jackson em Miami, Brandan Owens, de 11 dias, parece tão inacessível quanto a Branca de Neve em seu caixão de vidro. Nascido 8 semanas antes da hora, pesando agora 4 libras, Brandan precisa viver neste ambiente artificialmente aquecido porque seu próprio sistema subdesenvolvido ainda não consegue regular sua temperatura corporal.
A mãe de Brandan dá um pulo de nervosismo quando Maria Hernandez Reif do Instituto de Pesquisa do Toque (IPT) da Universidade de Miami coloca as mãos dentro da incubadora pela aberturas e começa a massagear o bebê. Sua mão é maior que as costas inteiras de Brandan; conforme seus dedos se movem em firmes passadas para baixo, a pele translúcida do bebê parece que pode rasgar tão facilmente quanto um lenço de papel. Agora os dedos de Maria Hernandez passam por um braço tão frágil quanto um galhinho. Ela está aplicando uma pressão suave – leve demais e fará cócegas, forte demais e machucará.
Longe de ferir o bebê, a massagem pode ser essencial para seu desenvolvimento, pois os récem-nascidos foram feitos para serem tocados. De fato, se Brandan for como a maioria do bebês prematuros estudados no IPT, um centro científico líder, dedicado à investigação dos efeitos do toque sobre a saúde, ele colherá benefícios simplesmente impressionantes. Com três massagens por dia, durante dez dias, ele deve ficar mais atento, ativo e reagir mais do que os bebês de seu tamanho e em suas condições que não receberem massagens. Ele pode ter menos episódios de apnéia, um fator de risco para a síndrome de morte súbita infantil. Ele deve ganhar peso 47% mais depressa.
Conforme as mãos de Maria Hernandez se movem sobre o corpinho enrrugado de Brandan, ele aos poucos relaxa, faz beicinho e estica as pernas, aparentemente de prazer. Ao fim de um massagem de 15 minutos, Brandan está sossegado, mas atento.
Necessidade Primária – Para um bebê, a estimulação tátil pode ser uma questão de vida ou morte. Michelângelo compreendeu isto: quando pintou Deus estendendo uma mão para Adão no teto da Capela Sistina, ele escolheu o toque para representar o Dom da vida. Do carinho e aconchego entre mãe e bebê que formam a base do ser, até o dar as mãos entre um filho e um pai que está morrendo e que permite um ‘desligar’ final, o toque é nossa forma mais íntima e poderosa de comunicação.
O efeito até do toque mais casual tem sido verificado em diversos estudos. Em um deles, as garçonetes que tocavam seus clientes na mão ou no ombro quando devolviam o troco recebiam gorjetas maiores que as que não tocavam. Por isso os políticos acreditam que passar no meio de multidões para ‘apertar a carne’ será compensado no dia da eleição.
Remédio ou bobagem? – A idéia de que o toque pode curar é velha. Os primeiros relatos escritos sobre massagem – a palavra vêm do árabe e significa toque – data de 2500 anos atrás na China. Um baixo-relevo na tumba de Ankhma-hor, um sacerdote egípcio de 2200aC, mostra um homem sentado recebendo o que alguns historiadores interpretam como uma fricção nos pés ou massagem. Hipócrates, o médico grego conhecido como o pai da medicina moderna, era um divulgador da massagem no quarto século a.C. Ele escreveu: “O médico deve estar familiarizado com muitas coisas e certamente com a anatripsis”, a arte médica da fricção.
Nos Estados Unidos do século 20, a massagem muitas vezes foi considerada como uma frente para a prostituição. Mas nos últimos anos, a massagem ganhou respeitabilidade e agora goza de popularidade sem igual. Os americanos fazem 75 milhões de visitas a mais de 120.000 massagistas todos os anos.
E a ciência está confirmando o que sabemos em nossos corações – que, como diz o psiquiatra James Gordon, “a massagem é remédio”. No IPT, a psicóloga Tiffany Field dirige um time de 28 estudantes, voluntários e terapeutas de massagem e ela colabora com pesquisadores nas universidades de Miami, Duke e Harvard. Mais de 50 estudos do IPT, muitos ainda abertos, indicam que a massagem pode ter efeitos positivos sobre condições que vão desde cólicas, hiperatividade, diabetes até enxaquecas. A massagem pode ajudar asmáticos a respirarem melhor, melhorar a capacidade de concentração de crianças autistas e relaxar vítimas de queimadura que irão passar pelo “debridement”, o procedimento doloroso que remove a pele contaminada.
“Comecei pensando que era um monte de bobagem”, diz o Dr. C. Gillon Ward, diretor médico do Centro de Queimaduras da Memorial Jackson, “mas me tornei um fiel seguidor”.
Resistência Tátil – Quando dizemos que alguém nos toca as emoções, significa que ele ou ela foi até o âmago do nosso ser. O toque físico, também, é mais profundo que a camada de pele. A pele é o maior órgão do ser humano, contendo milhões de receptores – cerca de 8000 na ponta de um só dedo – que envia mensagens através das fibras nervosas até a medula espinhal e então para o cérebro. Um simples toque – uma mão no ombro, um braço em torno de uma cintura – podem reduzir o rítmo cardíaco e abaixar a pressão sanguínea. Mesmo uma pessoa em coma profundo pode evidenciar alteração no ritmo cardíaco quando alguém lhe segura a mão. O toque positivo, acalentador, parece estimular a liberação de endorfinas, os supressores naturais de dor do corpo. Isto pode explicar porque o abraço de uma mãe pode literalmente ‘fazer passar a dor’ quando uma criança arranha o joelho.
De acordo com a pesquisa do IPT, a massagem dá um impulso à função imunológica – mesmo em pacientes HIV positivos – e diminui os níveis dos hormônios de estresse cortisol e norepinephrina.
Além disso, os bebês prematuros recebiam alta do hospital uma média de seis dias antes – uma economia atual de U$ 15000 cada. Com 424000 nascimentos prematuros nos Estados Unidos cada ano e uma economia potencial por ano de U$ 6 bilhões, poderíamos pensar que os berçários hospitalares estivessem correndo para estabelecer programas de massagem. Mas ainda não são comuns.
Talvez uma razão seja cultural. Os Estados Unidos são o que os antropologistas chamam de uma sociedade não-tátil. Comparado com a maioria das culturas, somos desconfiados quanto ao toque. Quando o psicólogo Sidney Jourard observou os índices de toque casual entre casais em cafés em todo o mundo, relatou que o índice mais alto era de Porto Rico (180 vezes por hora). Um dos índices mais baixos era na Flórida (duas vezes por hora).
Field descobriu que pais e filhos franceses tocam uns aos outros três vezes mais frequentemente do que nos Estados Unidos. Nos restaurantes Mc Donald’s em Paris e Miami, Field descobriu que os adolescentes franceses evidenciam significativamente mais toque casual – encostar num amigo, colocar o braço em volta do ombro de outra pessoa. Os adolescentes americanos tinham muito maior probabilidade de brincar com seus anéis, estalar as juntas das mãos ou de utilizar outra forma de auto-estímulo. “Os pais e professores franceses são mais afetivos fisicamente e as crianças são menos agressivas,” diz Field.
Primeiro e Último – Field se preocupa porque acredita que os americanos não estão conseguindo toque suficiente, especialmente com as preocupações crescentes sobre assédio sexual nas escolas e locais de trabalho. Mesmo na pré-escola, o toque se tornou tabu. “As consequências para as crianças envolvem efeitos significativos sobre seu crescimento, desenvolvimento e bem-estar emocional,” observa Field.
Na pré-escola do IPT, seis andares abaixo do escritório de Field, os professores encorajam o “toque positivo”. Dão incontáveis abraços, massagens nas costas e tapinhas nos ombros. A maioria das 40 crianças, dos seis meses até os cinco anos de idade, recebem uma massagem diária de 15 minutos, que as deixa mais atentas, mais receptivas e capazes de dormir mais profundamente.
O toque é o primeiro sentido a se desenvolver nos humanos e pode ser o último a desaparecer. O IPT iniciou um estudo no qual voluntários com mais de 60 anos de idade receberam três semanas de massagem e então foram treinados para massagear crianças na pré-escola. Dar massagem provou ser mais benéfico que receber: os idosos demonstravam menos depressão e solidão e níveis mais baixos de hormônios de estresse. Precisavam de menos visitas ao médico, bebiam menos café e faziam mais ligações telefônicas sociais.
Madeline Chance, de oitenta anos, tinha ficado deprimida após a morte do marido e a saída de casa dos filhos adultos. Quando ela soube do estudo da massagem e os idosos, ela se inscreveu. Ela nunca havia recebido uma massagem antes, mas a achou tranquilizante. Como a maioria dos voluntários, ela gostou ainda mais de fazer as massagens. “Você perde tudo isso – o tocar,” ela diz calmamente. Quando o programa de pesquisa terminou, Madeline continuou a vir para ajudar a massagear as crianças.
“Nenê, você gostaria de uma massagem?” ela pergunta a John, um garoto de sete meses. John balbucia para ela. Ela se inclina sobre ele, seus dedos suavemente passando pelas costas do bebê. John, que estava chatinho, relaxa aos poucos. O bebê dá um sorriso desdentado e levanta os braços como se estivesse em êxtase. Madeline olha para ele e sorri também. Estão, obviamente, tocando um ao outro.